2 de dez. de 2025

O casamento como processo de individuação e santificação

 

O casamento como processo de individuação e santificação

O casamento é uma escola de almas onde a “Sombra” é confrontada pela luz e o egoísmo é transmutado em amor oblativo

Por Valcelí Leite

Na contemporaneidade, a instituição do casamento sofre um esvaziamento de sentido, sendo frequentemente reduzida a um contrato de satisfação mútua de desejos egóicos. Quando essa satisfação cessa, o vínculo se rompe. Todavia, sob a ótica da Teopsicoterapia, que nada mais é que a integração entre a sabedoria bíblica e a psicanálise profunda, o matrimônio não é um fim em si mesmo, mas um espaço sagrado onde ocorre o refinamento da alma. Carl Gustav Jung postulava que o objetivo da vida é a “individuação”, tornar-se quem realmente se é, integrando as partes fragmentadas do ser. Paralelamente, a teologia cristã aponta para a “santificação”. Nesse contexto, a crise conjugal deixa de ser um sinal de fracasso e torna-se a matéria-prima indispensável para a maturação psíquica e espiritual.

Em primeira análise, é imperativo compreender a dinâmica da “Sombra” na relação a dois. Jung define a Sombra como o conjunto de traços de personalidade que o ego recusa reconhecer, empurrando-os para o inconsciente. No casamento, ocorre frequentemente o fenômeno da projeção: aquilo que não aceito em mim, eu denuncio e ataco no meu cônjuge. Jesus Cristo, antecipando a psicanálise  profunda, advertiu em Mateus 7:3: “E por que reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?”. A “trave” é a Sombra não reconhecida. Enquanto o indivíduo não recolher suas projeções, o casamento será um campo de batalha neurótico. A Teopsicoterapia propõe que o antídoto para a projeção é a confissão e o autoconhecimento sob a luz divina (Salmos 139:23-24), transformando o julgamento do outro em exame de consciência.

Entendemos que o casamento deve ser a união de opostos, um conceito central tanto na alquimia junguiana (Mysterium Coniunctionis) quanto na revelação bíblica. Em Gênesis 2:18, Deus cria uma ajudadora que lhe seja “idônea” (do hebraico ezer keneghdo, que pode ser traduzido como “um auxílio que está diante dele”, ou seja, um oposto que o complementa). O cônjuge, portanto, é a alteridade necessária que confronta o nosso narcisismo. Sem o atrito da convivência, o ego permanece inflado e infantilizado. O sofrimento inerente à adaptação conjugal não é patológico, mas pedagógico. Como afirma o Apóstolo Paulo em Romanos 5:3-4, “a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança”. A recusa em carregar a cruz do relacionamento impede o nascimento do “Self” (o si-mesmo), estagnando o casal em estágios superficiais de desenvolvimento emocional.

Ademais, a erosão da alegria nos relacionamentos modernos advém da falta de transcendência (vida espiritual). Quando o cônjuge é colocado no lugar de Deus, a frustração é inevitável, pois nenhum ser humano pode suportar o peso de preencher o vazio existencial do outro. A idolatria do parceiro leva ao ressentimento. A saúde mental do casal depende da triangulação da relação: marido, mulher e o Transcendente. O texto de Eclesiastes 4:12 ilumina esta verdade psicanalitica: “E, se alguém prevalecer contra um, os dois lhe resistirão; e o cordão de três dobras não se quebra tão depressa”. A terceira dobra é a graça divina que permeia a relação. A oração a dois, psicologicamente, atua como um mecanismo de regulação emocional e humildade, retirando o ego do centro e colocando o serviço sacrificial (ágape) como regente da dinâmica familiar.

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