Um caso que reacendeu o debate sobre liberdade religiosa e direitos de pessoas trans voltou a ser analisado nesta semana no complexo judicial Four Courts, em Dublin. O professor cristão Enoch Burke, conhecido por recusar o uso de pronomes associados à identidade de gênero de um aluno, compareceu novamente ao tribunal para discutir desdobramentos do processo que já dura três anos.
Burke leciona alemão, história e política na Wilson’s Hospital School, instituição ligada à Igreja da Irlanda no condado de Westmeath. O conflito começou quando ele se recusou a adotar o pronome neutro solicitado pela direção da escola para um aluno em transição. Suspenso durante um procedimento disciplinar, o professor continuou a comparecer ao trabalho, o que motivou ações judiciais subsequentes.
Tensão no tribunal
Na abertura da sessão, o juiz Brian Cregan advertiu que qualquer intervenção de familiares de Burke resultaria na retirada imediata do recinto pela Garda Síochána, a polícia irlandesa. A declaração gerou reação entre apoiadores do professor, que consideraram a medida excessivamente restritiva.
Durante a audiência, Burke afirmou que a decisão proferida por Cregan em 18 de novembro continha elementos que, segundo ele, “manchariam” sua reputação. Entre os pontos contestados estavam descrições de que ele representaria uma presença “malévola” na escola e que teria perseguido funcionários e estudantes. Burke classificou tais afirmações como infundadas.
O juiz respondeu que utilizou o termo stalking de maneira “figurada e metafórica”, observação que provocou nova contestação da família. Burke também acusou o magistrado de omitir trechos relevantes de depoimentos e de selecionar de forma parcial declarações da diretora da escola. Ao ser questionado, Cregan respondeu apenas: “Siga em frente”.
A audiência incluiu ainda referências feitas pelo juiz a um artigo publicado no Irish Independent no mesmo dia, assinado pelo jornalista Shane Phelan, o que foi considerado “incomum” pelos familiares.
Debate sobre liberdade religiosa
Segundo observadores, um dos pontos mais sensíveis da sessão foi a interpretação jurídica apresentada pelo magistrado sobre o direito à liberdade religiosa. A família afirma que Cregan declarou em três ocasiões que, se Burke tivesse “praticado sua fé cristã do lado de fora dos portões”, o conflito não teria ocorrido — interpretação considerada pelos parentes como uma releitura indevida da Constituição.
Burke sustenta que a ordem administrativa da escola contraria sua consciência e suas convicções religiosas, e que o Estado não poderia obrigá-lo a adotar linguagem que considera incompatível com sua fé.
Divergências em instâncias superiores
A defesa também citou decisões divergentes do Tribunal de Apelação. Em março de 2023, a corte afirmou que o caso não se relacionava às crenças do professor. No entanto, em julho de 2025, o mesmo tribunal entendeu que a medida disciplinar estava diretamente vinculada à objeção religiosa apresentada por Burke.
Para a família, a discrepância criou um cenário de insegurança jurídica e reforça a necessidade de submeter o caso à Suprema Corte, para onde deve ser apresentado um pedido formal de recurso.
Condições de detenção
Outro momento de tensão ocorreu quando o juiz afirmou que Burke não receberia liberação temporária para o Natal ou a Páscoa, o que levou familiares a descreverem a situação como uma “sentença de vida”.
Os parentes argumentam que o conflito se originou quando a direção da escola determinou o uso de um novo nome e do pronome neutro they para o aluno. Para a família, o professor está sendo penalizado por se recusar a contrariar suas convicções cristãs.
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