Este é um dos textos mais interessantes dos evangelhos. João o narra como um epílogo. Despercebidamente para alguns leitores, a história parece retratar um momento comum, no qual acontece algo extraordinário. Mas, penso que não foi exatamente assim. Este momento nada teve de comum. Pedro vinha de algumas intensas experiências com Jesus e consigo mesmo. Havia traído seu Senhor e, ainda que lembrado por ele (Mc. 16:7), talvez o próprio Pedro não se perdoasse. O fato que, no texto em questão, repentinamente, Pedro diz aos que com ele estavam: “Vou pescar”.
Talvez o apóstolo sentisse que já era o suficiente para si. Impulsivo, Pedro protagonizou algumas das cenas mais tragicômicas dos evangelhos. Fora repreendido por Jesus, por causa de sua impulsividade inconsequente, temeridade, inconveniência e covardia. Mas, Deus seja louvado que, no fim, não contam apenas os planos que temos em que Deus está, senão os de Deus, nos quais nós estamos. O texto de João 21:3 parece retratar um Pedro talvez cansado de tanto errar, de ser uma decepção, um motivo de piadas e descrédito entre os seus.
Quando no texto de João 21, Jesus aparece a Pedro e aos seus amigos, todos discípulos, após uma noite sem pescarem nada, e orientando-os a lançarem as redes do lado direito do barco, após o que pescaram 153 grandes peixes, todos sabiam que haveria algo novo, diferente, único, ali. Pedro é interpelado por Jesus, que o pergunta se este o amava. É claro que a cena está montada: Jesus conversando com 7 discípulos, alguns, como Tiago e Natanael, estavam desde o início do ministério de Jesus. Todos acompanharam a Pedro em sua aparente mudança de rumo. A Bíblia nos diz que os amigos de Pedro, que ali estavam, lhe disseram: “Vamos nós também contigo” (21:3).
Pedro era um líder nato. Ele gostaria de saber mais, influenciar mais, liderar melhor. Mas, Jesus sabia que qualquer processo antes do tempo lhe seria prejudicial. João tem o cuidado de retratar a situação, demonstrando que Jesus pergunta a Pedro, se este o amava. Amor genuíno cobra um alto preço, principalmente quando nos remete à renúncia. É essencialmente sacrificial. Curiosamente, Pedro entende a natureza do amor praticamente no fim do ministério de Cristo, quando, talvez numa atitude que ilustra seu provável cansaço e descrédito de si mesmo, ouve de Jesus: “Pedro, tu me amas?” (21:15-17), três vezes!
De fato, na infinita sabedoria de Deus, no início da Igreja, a liderança dos primeiros discípulos precisava ter uma experiência sem igual, que nos legasse – através do seu exemplo -, um ensino formidável quanto àquilo que se revelasse mais importante para o caráter cristão que estava sendo formado como paradigma, nos homens. Nas duas primeiras vezes em que Jesus perguntou a Pedro, a forma no grego é (transliterada): “agapas-me”, ou “amas-me incondicionalmente”? Ao que Pedro respondia: “filw se”, ou “amo-te como a um irmão”. Muito provavelmente, o entristecimento relatado por João, sentido por Pedro, ao Jesus perguntar a terceira vez, “amas-me mais do que esses?” (21:17-18) se deu porque Jesus disse-lhe “fileis-me”, ou “amas-me como um amigo?”. Pedro, que havia respondido duas vezes com esta forma, filew, um amor de amigo e diz a Jesus: “Senhor, sabes todas as coisas. Sabes que te amo” (vs. 17).
No diálogo entre Jesus e Pedro, o Senhor reitera: “apascenta (ou alimenta) minhas ovelhas”. Isto pode ser interpretado como algo diretamente relacionado ao “vou pescar” de Pedro, que influenciou seus amigos e que talvez os fizesse segui-lo em seu arrefecimento de fé. Pedro aprendera ao fim do ministério do Mestre, que, para si, não cabia mais um retrocesso: sua história deveria ser escrita com atos nobres, atos de abnegação e em direção ao triunfo espiritual, atos que sedimentariam e pavimentariam, pelo exemplo, a estrada que levaria muitos, muitos homens também ao triunfo da fé. Deus seja louvado, porque Pedro e os demais discípulos não mais ficaram pescando. Assumiram que, depois de seu encontro com Cristo, haviam se tornado definitivamente pescadores, mas de homens!
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