Esta breve crônica, como é usual deste colunista do GP, tenta abordar o corriqueiro, o cotidiano, mas, paradoxalmente, aquilo que no corriqueiro também é não-usual. Com este termo atenho-me àquilo que é pouco ou nunca pensado. Vamos a um exemplo: perceberam como temos “sentimentos da moda”? Explico: de tempos em tempos, alguns sentimentos, no contexto cultural, tornam-se modismos. Não significa que as pessoas não os sintam; mas, pelo contrário, às vezes os sentem até demais. Ou pelo menos querem tanto senti-los, que até imitam seus efeitos, mesmo que não os experimentem, apenas para não ficaram fora, não virarem outsiders ou como aqueles que estão por fora do “padrão” atual. Sei que esta análise é absolutamente não-usual.
Dentre os “sentimentos da moda” podemos citar a auto-indulgência. Creio que nunca vivemos um tempo em que estivéssemos tão ávidos por indulgência própria. Houve uma época em nossa história depois de Cristo, que os homens buscaram arduamente a absolvição para suas almas. Os europeus medievais protagonizaram cenas surpreendentes de fé e perseverança, por parte de alguns que viriam a serem canonizados pela Igreja Romana. Semelhantemente, o século XVI produziu toda uma nova etapa na Cristandade, na qual os homens se viam como nunca “devedores de Deus”, jamais “credores”.
Os períodos pós-Reforma, até meados do século XX, viram crescer e florescer uma Igreja que humilhou-se para poder experimentar a era dourada de fervor e vida, também chamada de “avivamento”. E a causa primeira e direta deste período é justamente o arrependimento e a consciência de culpa por causa do pecado.
Chegando na segunda metade do século XX, tudo indica que cansamo-nos do pecado. Este “cansaço” é perceptível pois a cada dia buscamos formas de mostrar que qualquer culpa é má e o processo do arrependimento uma “bobagem”. Esta emancipação da estrutura genitora civilizacional do Ocidente – leia-se “Cristianismo” -, aliada às cada vez mais frequentes revoluções do pensamento e da cultura propiciaram uma sociedade que, a princípio, cansou-se de qualquer culpa pelo pecado e, por fim, divorciou-se e abandonou a figura central e a quem atribuem a causa dos séculos de culpa: Deus. Não há melhor maneira de mostrarmos nosso sentimento de repúdio à culpa do que através da auto-indulgência e não se engane, prezado leitor, este é o sentimento da moda.
À medida em que nos afastamos de Deus, prevalece a ideia de que, uma vez “emancipados” e declarada a nossa indulgência ante a culpa do pecado que sentíamos como civilização caída, precisamos criar uma superestrutura civilizacional completamente diferente. Seguindo do princípio antigo de que novas cidades são construídas sobre os escombros de antigas ruínas, uma nova cultura emerge, com ideias plurais em aparência, mas com uma mesma raiz quanto ao conteúdo, ou seja, aumentam as vozes que afirmam que “o único caminho civilizacional” que temos de seguir é o que nos alavanca para ainda mais longe de Deus, de quaisquer tipos de “superstições de culpa” e nos “cerceia” a felicidade. Não é à toa que a cultura pareça ser hoje tão antiteísta! Você não ficou louco(a), prezado(a) leitor(a): são os tempos que mudam com a força de uma geração que, atualmente, se resume a apenas 5 anos!
Igrejas de gays, um deus “que me aceita como sou e que se adequa a mim como estiver”, líderes religiosos que se orgulham de professar publicamente sua incredulidade, homossexualidade e insatisfação com o que chamam de “conflitos insuperáveis da Escritura”, um crescente número de pessoas que se “orgulha de ser humilde” no templos, os quais, por sua vez, parecem estar cada vez mais cheios de “desconhecedores da Bíblia” são apenas os primeiros sinais na Igreja da sociedade auto-indulgente que a cerca a compõe, dissolvendo-a de tal modo que, num futuro próximo, não haja mais qualquer diferenciação relevante.
Tudo o que aparentemente era impensável há alguns anos ou décadas, não apenas por questões culturais, mas relativas à prática e influência da Bíblia em nosso meio, cede terreno para o comportamento de afronta, para o aparente desvario, para a inconsequência e, finalmente, o fortalecimento da ideia de que, quanto ao pecado, àquilo que é constantemente “maquiado” com o verniz da auto-indulgência, fecharemos os olhos e fingiremos que não há um monstro, uma doença, o mal terrível que nos corrói por dentro e que nunca nos deixará descansar de nossas angústias mais profundas!…. Até que, finalmente, voltemo-nos humildemente àquele que nossa sociedade pecaminosamente toma por “causa” de nosso infortúnio: Deus. Tornamo-nos, sim, vítimas; não de Deus, mas de nós mesmos.
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